domingo, 12 de setembro de 2010

Defesa 2 (dissertação)

A verdade por trás das palavras
Ele tinha tudo que um homem poderia desejar: estabilidade financeira, uma linda e fascinante esposa, prestígio social, um filho saudável e uma família presente. Mas sofria de uma patologia silenciosa, porém devastadora: ciúmes. Por causa dela, arruinou tudo que, por anos, havia construído em sua vida. Essa história soa típica?
Apesar do tanto que se fala do livro Dom Casmurro, sua história é trivial, chegando a ser um clichê. O que o torna brilhante é o modo como foi trabalhado pelo gênio da literatura brasileira, Machado de Assis. Mundo afora, existem diversos Bentos e Capitulinas, que têm suas vidas corroídas por causa desse traiçoeiro sentimento, que deturpa a visão dos acontecimentos de quem o possui. Não se pode negar que o amor implica em cuidado e temor de perder a pessoa amada, uma vez que esta enriquece a nossa existência e, por isso, sofremos até com a ideia de sua perda. Mas até que ponto esse sentimento se mostra saudável e contornável? Dada a maneira como o livro é construído, não se pode ser infantilmente maniqueísta a ponto de qualificar Capitu como “má”, apenas por conquistar seus objetivos através da persuasão, e Bentinho, como “bom” a vítima, porque se apresenta como um jovem ingênuo e fraco de personalidade. O fato de Bento Santiago ser, ao mesmo tempo, personagem e narrador, lhe confere o privilégio de selecionar os fatos que lhe convém escrever no livro, que, por conseqüência, apresenta a sua visão a respeito dos fatos que se sucederam a partir do ano de 1857. O personagem Bento Santiago apresenta frequentes crises de ciúmes. Tal sentimento pode ser associado a um quadro patológico, uma vez que extrapola o cuidado e torna-se possessivo. Ilustrativamente, pode-se citar Marcel, personagem de Proust, o qual também é um homem muito ciumento, a ponto de apenas aquietar-se ao ver a amada morta, tornando o que sentia algo além do zelo, uma doença. Nota-se tal sentimento também em Santiago, já que este se enciúma até com o fato de Capitu contemplar o mar (“Foi justamente por ocasião de uma lição de astronomia, à Praia da Glória. Sabes que alguma vez a fiz cochilar um pouco. Uma noite perdeu-se em fitar o mar, com tal força e concentração, que me deu ciúmes” CAPITULO CVI / DEZ LIBRAS ESTERLINAS). Segundo a psicóloga Áurea Guimarães, há três circunstâncias que configuram um quadro de ciúmes patológico: quando o ciumento possui baixa auto-estima, é adúltero ou apresenta distúrbios psicológicos, características presentes em Bentinho.
   O narrador-personagem se considera inferior tanto em aspectos físicos quanto psicológicos, o que denota pouca autoconfiança. Ao mesmo tempo em que se sente assim, endeusa Capitu, colocando-a em um pedestal de perfeição, em determinado momento do livro chega a dizer que (“ela era muito mais mulher do que ele era homem” CAPITULO XXXI / AS CURIOSIDADES DE CAPITU). Para Bento, seu amigo Escobar também apresenta diversas qualidades, tornando-se assim, muito mais digno de admiração e merecedor do amor e afeto de Capitu: (“Escobar era um rapaz esbelto, olhos claros” CAPÍTULO LVI/ UM SEMINARISTA; “Nem ele sabia só elogiar e pensar sabia também calcular depressa e bem. Era das cabeças aritméticas de Holmes (2 + 2 = 4). Não se imagina a facilidade com que ele somava ou multiplicava de cor. A divisão que foi sempre uma das operações difíceis para mim, era para ele como nada: cerrava um pouco os olhos, voltados para cima, e sussurrava as denominações dos algarismos: estava pronto.” CAPÍTULO XCIV / IDEIAS ARITIMETICAS). De acordo com a psicóloga Dra. Olga Tessari, essa característica leva muitas pessoas a sentirem ciúmes de maneira doentia, pois, por não se amarem nem admirarem, consideram impossível o fato de outra pessoa amar e desejar-lhes. Como fruto disso, surge uma grande desconfiança e uma forte necessidade de aprovação por parte dos outros.
Não é citada na obra a traição carnal de Bento, uma vez que ele pode ter omitido-a, contudo, a traição psicológica do personagem fica evidente: “(...) Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer (...) os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra cousa (...)
-Uma senhora deliciosíssima, concluiu José Dias um discurso que vinha fazendo. -Deliciosíssima! repeti com algum ardor, que moderei logo, emendando-me: Realmente, uma bela noite!”(CAPÍTULO CXVIII / A MÃO DE SANCHA).
O narrador Bentinho utiliza de sua imaginação fértil como fuga da realidade, sendo assim, qualquer acontecimento se torna fantasioso em sua cabeça: (“Quando tornei ao meu lugar, trazia uma idéia fantástica, a idéia de ir ter com o Imperador, contar-lhe tudo e pedir-lhe a intervenção. Não confiaria esta idéia a Capitu.” ‘Sua Majestade pedindo, mamãe cede’, pensei comigo. Vi o imperador escutando-me, refletindo e acabando por dizer que sim, que iria falar a minha mãe; eu beijava-lhe a mão, com lágrimas.”  CAPÍTULO XXIX / O IMPERADOR)
Há também um trecho do livro em que o narrador diz ouvir a voz de uma fada e evidencia seu sentido literal, não metafórico, como seria de se esperar. O fato de conversar com seres inanimados também denota certa perturbação psicológica e uma propensão a misturar realidade com imaginação: (“Um coqueiro, vendo-me inquieto e adivinhando a causa, murmurou de cima de si que não era feio que os meninos de quinze anos andassem nos cantos com as meninas de quatorze, ao contrário, os adolescentes daquela idade não tinham outro ofício, nem os cantos outra utilidade. Era um coqueiro velho, e eu cria nos coqueiros velhos, mais ainda que nos velhos livros. Pássaros, borboletas, uma cigarra que ensaiava o estilo, toda a gente viva do ar era da mesma opinião”. CAPÍTULO XII / NA VARANDA)
Destarte, o que pode ser provado é que, em de Dom Casmurro, o ciúmes tornou-se uma doença e ninguém mais além do próprio personagem principal é responsável por seu trágico e solitário fim. A partir da exposição e explicação dos aspectos da personalidade desse personagem histórico da literatura brasileira, torna-se possível a compreensão do que é relatado no livro e o porquê de seu desfecho, sendo necessário destrinchar o perfil psicológico dos personagens. Dessa forma, não há outra interpretação válida a não ser a de que Capitu não é adúltera e Bentinho a é a pessoa que arruinou a sua própria vida pelo veneno corrosivo dos amantes: o ciúme.

Grupo : Gabriela Menega, Geórgia Indiani,  Guilherme Bocchi, Gustavo Vicente,Gustavo Flores, Ian Morales, Igor Pastore, Isabela Cantarelli, Mateus Bortoluci e Samuel Berger – TURMA 3º B 

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